domingo, 27 de julho de 2008

Sem culpados

Foi à toa. Enquanto ajeitava a colcha para deitar-se, tudo que passava por tua cabeça eram os anos corridos à toa. Os esforços findos em nada. Os jantares e vestidos que não duravam mais que o cheiro do perfume em seu pescoço.Por segundos enchia os olhos de lágrimas; não sabia se chorava a dor de não mais amar a ele, ou se chorava a memória que, tão machucada, não conseguia lembrar-se de quando amou.
E deitada, ele não demorou a chegar. Ela nem perdeu tempo em perguntar onde estivera, se já comera. Mal conseguia desejar que ele se virasse. Achava que queria que sentisse sua falta. A falta de tua presença, de tua assistência, de teu papel de mulher. Mas na realidade, nem mais se importava com isso. Secou-se, em todos os sentidos, para aquele homem.
Ele resmungou algo quando se dirigia ao banheiro. Ela fingiu nem ter ouvido. Os pensamentos infreáveis tomavam sua cabeça, como acontecia todas as noites, desde muito tempo. Havia horas que acreditava não mais poder continuar, em outras temia botar ponto em tudo aquilo. No final das contas, ele fumava, deitava-se e, de vez em quando, a importunava até tomar seu sexo. Como dito, de vez em quando.
Fora nesta noite, que ainda cheirando a cigarro, deitou-se de barriga para cima pigarreando sem parar, e anunciou:
- Deitei-me com Angélica.
Angélica era sua filha mais velha. Fruto de um amor desmedido de sua adolescência. Amor este que pensara erradamente ter superado. Nunca superou. Angélica era seu tesouro, garota problemática. Mas seu tesouro.
Sem titubear, levantou-se, dirigiu-se à porta do quarto e retrucou:
- Se pela manhã te encontrares deitado nesta cama, não bote à prova, estará descansando tua morte. De certo, por uma facada minha em teu peito.
Ele riu e vestindo as calças se levantou. Quase à saída de casa lançou:
- A culpa é tua. Ficaste amarga sem te lembrar do doce fruto que guardava a porta ao lado. Ela me lembrou à mãe.
Tendo ele saído em seguida, suas forças só a levaram à dispensa. Buscou seus calmantes, encheu dois palmos deles, e tragou-os. Não eram vitaminas.
Morera nesta noite, vítima de overdose. Vítima de seu casamento. Vítima de sua covardia. Portanto, não mais vítima.

sábado, 26 de julho de 2008

Amarras

Certa vez ouviu que os depressivos nao se deixavam ser felizes. E no instante seguinte passou decifrar-se como tal. Mas qual a seriedade daquilo?

Imediatamente espaireceu. Tocava musica bela e enebriante na TV, quase falhando, ligada ao fundo do comodo. Mas como sempre a musica a embebeu em drama, seguido de saudade e choro calmo, inconformado, porem quieto. O irremediavel, findo esta. E assim seguiu, por mais tantas horas, ate, como de costume, cansar-se da lamuria e assumir suas tarefas.

Nao mudava. Nao importava o que passasse. Nao mudava.

Assumia-se dona de um tracado do destino; inerente a este, e vitima de uma senteca por hora cruel, mas que lhe traria de volta tudo aquilo que tivera dantes.

Um dia ouviu, de alguem que, na mais pura verdade, queria seu bem.

"Nao mais chore doce. Nao mais se curve ao que te corroe por dentro, se todas as justificativas desta dor se passarem ao subjetivo. Ate onde seguira este caminho que te algema, te amarra a uma ilusao de vida, de cumplicidade? Esta que deixara a lealdade de lado, e todo o resto de sua essencia ha muito tempo.

Se nao mais te sofras doce. Nao mais te deixe levar pelos cortes que a saudade abre. Nao vivas mais a espera de algo que os cure.

Cura a ti sozinha, na forca. Na busca; nao do dubitavel que acomoda um pouco ao coracao, mas na busca da compreensao de que, isto que doi, e irreal e findo.

Nao te julgue destinada a nada. Constroi teu destino. Fugindo do que te diminui, dia-a-dia, pela vivencia de algo que nao mais existe; pela ilusao de uma vida que nao e tua."

Esqueceu-se um pouco do que a aflingia e levantou-se, depois, para a mudança. Direcionou-se à felicidade. Nao era depressiva. Era mais uma saudosista de um tempo bom, e ingenua demais para deixa-lo para tras a procura de melhores.